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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Assim começa 'A Floresta', de Sophia de Mello...


Sophia de Mello Breyner Andresen (1909 - 2004) é uma das maiores escritoras portuguesas de sempre e é com um trecho do seu conto A Floresta que celebramos hoje o Dia do Livro.


A FLORESTA

Era uma vez uma quinta toda cercada de muros.
   Tinha arvoredos maravilhosos e antigos, lagos, fontes, jardins, pomares, bosques, campos e um grande parque seguido por um pinhal que avançava quase até ao mar.
   A quinta ficava nos arredores duma cidade. O seu pesado portão era de ferro forjado pintado de verde. Quem entrava via logo uma grande casa rodeada por tílias altíssimas cujas folhas, dum lado verdes e de outro lado quase brancas, palpitavam na brisa.
   Era nessa casa que morava Isabel.
   Isabel nesse tempo tinha onze anos e por isso ia todos os dias da semana ao colégio, baloiçando a sua pasta cheia de livros ora numa mão ora na outra.
   Mas às quatro horas voltava para casa, lanchava a correr e saía para a quinta.
   Isabel não tinha irmãos e por isso sabia brincar sozinha e conversar com as árvores, com as pedras e com as flores.
   Todos os dias ela percorria a quinta. No Outono apanhava castanhas esmagando com o pé os ouriços verdes. No Inverno colhia violetas e camélias. Na Primavera trepava às cerejeiras para comer as primeiras cerejas doces, escuras e vermelhas. E também subia às árvores onde todos os anos havia ninhos, ninhos redondos feitos de ervas, folhas secas e penas e que tinham lá dentro quatro ovos verdes sarapintados de castanho. Caminhava entre o trigo que era como um doce mar, aéreo e leve. Às vezes passava horas a ler sob o caramanchão onde as flores lilases das glicínias pendiam em grandes cachos perfumados rodeados de abelhas. Ou caminhava devagar na luz verde do parque escutando o rumor das altas copas dos plátanos. E conhecia o lugar onde, escondidos entre ervas e folhas, cresciam os morangos selvagens.
   Em geral Isabel brincava sozinha. Mas às vezes passeava com o velho jardineiro chamado Tomé que era seu grande amigo. Tomé ensinava-lhe os nomes das árvores e das flores e Isabel ajudava-o a regar e a arrancar ervas más. E também com Tomé ela ia aos sítios onde não podia ir só. Pois a porta da estufa, a porta do galinheiro e a porta da adega estavam sempre fechadas à chave. Na estufa enorme, sob o telhado de vidro caiado, o ar era húmido e quente. Aí cresciam as avencas maravilhosas, finas e leves, as begónias roxas, as orquídeas verdes e sarapintadas com o seu ar de bichos venenosos, e outras plantas e flores que tinham os seus nomes esquisitos escritos numa placa de alumínio atada aos seus pés com ráfia.