Bairro de Alfama e Rio Tejo em Lisboa

quarta-feira, 12 de junho de 2019

A adivinha do rei



A ADIVINHA DO REI

Tinha um rei um ministro em quem depositava toda a confiança; mas uma vez tal teiró lhe ganhou, que resolveu dar cabo dele e disse:

–Não tenho outro remédio senão mandar-te matar; mas como em tempo te estimei muito, ainda te deixo uma esperança, e é que me mandes cá a tua filha, para ver se ela é capaz de adivinhar o meu pensamento, o qual vem a ser: que não há-de vir nem de noite nem de dia; nem nua nem vestida; nem a pé nem a cavalo.

Foi o ministro para casa, muito aflito como era de esperar, e contou as suas tristezas à filha. Ela, esperta como era, disse:

–Deixe estar, meu pai, que eu já sei qual é o pensamento do rei, e deste lhe juro que o hei-de salvar.

Preparou-se e no dia seguinte arranjou as suas coisas, de modo que entrou no palácio ao lusco-fusco; ia com uma camisa fina de cambraia em cima do corpo, e levada às cavaleiras de um criado velho que tinha. O rei, assim que a viu, reconheceu que o lusco-fusco não era nem noite nem dia; que vindo em camisa não vinha vestida, mas também não estava despida; e que às costas do criado não estava a cavalo, mas também não estava a pé. Lovou muito a esperteza da menina, e disse-lhe que fosse dali dizer ao pai que estava perdoado, e que tornava a entrar na sua confiança, porque quem tinha filhas assim tão espertas era homem de confiança.


teiró = Fig. Teima; má vontade (esp. "manía")

dar cabo de = acabar.

lusco-fusco = o anoitecer; crepúsculo vespertino