Bairro de Alfama e Rio Tejo em Lisboa

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma menina a ler e Miguel Torga


Não sabemos quem foi o autor desta fotografia cujo título é Leitura. Uma boa fotografia para este Dia do Livro, ou melhor, para qualquer dia do ano.

E aqui alguma coisa para ler. O começo de um conto intitulado "Tenório", que pertenece ao livro Bichos, escrito por Miguel Torga.


TENÓRIO

Esta é a história verdadeira de Tenório, o galo. 

Nascido duma ninhada que a senhora Maria Puga deitou amorosamente debaixo das asas chocas da Pedrês, em doze de Janeiro, pelas três da tarde, quando a velhota o viu sair da casca, disse logo:

- É frango. 

E realmente. Aquela amostra de crista que trazia do ovo, poucas semanas depois, parecia já uma mitra. E ninguém mais duvidou de que era frango macho. Dos dois irmãos, muito tinhosos, sempre enjeridos, desses é que a incerteza se manteve por largo tempo.

- Que te parece, António?

- Eu sei-te lá, mulher!... 

- O da dianteira está-se mesmo a ver. Aquelas três são pitas, com certeza. Agora estes enxalmos... 

Frangos também, mas fracos. Mal viam gavião sobre o quintal, metiam nojo: 

- Piu... Piu... Piu... 

Lá parava a mãe de esgadanhar. 

- Piu... Piu... Piu... Até metidos nos sovacos da progenitora se borravam! Ele, porém, continuava ao ar livre, a desafiar o inimigo, que planava lá no alto. 

- Há-de ficar para galo! 

E a sujeita tinha palavra. Em Maio, por alturas da Ascensão, ao dar de caras com os irmãos degolados e depenados, ainda lhe tremeu a passarinha. Olha que brincadeira! Felizmente que a dona sabia distinguir o trigo do joio, e o deixava para semente... Um futuro bonito, afinal! É certo que não estava nesse momento em condições de apreciar devidamente a grandeza da sorte que lhe coubera. Muito embora a simples certeza de viver lhe enchesse a alma duma confiança cega no porvir, só daí a algum tempo é que viu claramente o tamanho do seu destino. Quando tal compreendeu, cuidou que estalava de orgulho. (...)







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